Comunicando Tendências

Informação e opinião sobre as trends do mercado de comunicação

Picture of Rafa Silveira

Rafa Silveira

Produtor de Áudio, Locutor Publicitário e Gestão de produtos de Comunicação

Escândalo em Cannes: Cannes Lions retira Grand Prix da DM9 e impõe limites ao uso de IA – O que isso realmente nos ensina?

Se tem uma coisa que 2025 está nos ensinando, é que a velocidade da inovação muitas vezes atropela a ética. E foi justamente isso que explodiu no tapete vermelho mais cobiçado da publicidade mundial: o Cannes Lions. Quando soube que o festival decidiu retirar o Grand Prix de Creative Data da DM9, minha reação inicial foi de choque — seguida de uma inquietação profunda. Não pela punição em si, mas pelo que ela revela sobre os caminhos que estamos trilhando na comunicação.

A DM9, uma das agências mais icônicas do Brasil, teve seu prêmio retirado por conta de um videocase que utilizava inteligência artificial para simular dados e cenas que… simplesmente não aconteceram. Estamos falando da campanha Efficient Way to Pay, feita para a Consul. O case impressionou o júri, emocionou os espectadores — mas era, em parte, uma ficção. Os dados estavam ali, mas as imagens e situações que os ilustravam foram criadas por IA. E isso, no contexto do Cannes Lions, é uma violação séria.

A decisão do festival não parou por aí. Depois de uma auditoria independente, a DM9 retirou também outros dois prêmios, “Plastic Blood” e “Gold = Death”, e anunciou mudanças internas. Inclusive, o próprio Ícaro Doria, copresidente e CCO da agência, foi afastado. Doeu ver isso acontecer com uma agência tão importante, mas também foi um alerta: se até os gigantes podem falhar na governança do uso de IA, quem está realmente preparado?

A atitude do Cannes, por mais drástica que pareça, me pareceu correta. Pela primeira vez, vejo um movimento claro do festival para dizer que criatividade precisa andar junto com responsabilidade. Eles não só cancelaram os prêmios, como também implementaram novas diretrizes para os próximos anos: ficha obrigatória com declaração do uso de IA, código de conduta assinado por todos os participantes, comitê de ética, e uso de ferramentas de detecção de deepfake. Um recado firme de que o “embelezamento” de cases não vai mais passar despercebido.

Mas não se trata apenas de Cannes ou de um festival. O que está em jogo aqui é a relação da publicidade com a verdade. Por muitos anos, aprendemos a valorizar a emoção, o storytelling, a performance das campanhas. Agora, com a IA em jogo, estamos redescobrindo a importância de colocar limites — porque, sim, existe uma linha tênue entre criar e manipular. E quando ela é cruzada, o impacto é profundo. Perde-se credibilidade. Perde-se confiança. E, o mais grave, cria-se uma cultura onde “vale tudo” para ganhar prêmios.

Como profissional e cofundador da Duas Vozes, me sinto na obrigação de dizer: não podemos deixar que a tecnologia dite nossas escolhas éticas. O uso de IA não é o problema — o problema é usá-la como artifício para validar o que não foi vivido, para convencer o júri de uma narrativa que não existiu. E isso vale para prêmios, mas também para os clientes, para o público e para nós mesmos.

Vejo este episódio como um divisor de águas. Cannes Lions mostrou que está disposto a apertar os cintos. E espero, sinceramente, que isso inspire outras premiações, agências e marcas a fazerem o mesmo. Não porque querem evitar escândalos, mas porque entendem que a ética não é um detalhe. É o que sustenta tudo.

Afinal, se a criatividade é o que move nosso mercado, a verdade precisa ser o seu alicerce.

Facebook
Twitter
LinkedIn